Organizados em cooperativas ou nas ruas, milhares de trabalhadores enfrentam condições ruins e invisibilidade social para coletar, separar e destinar resíduos reaproveitáveis.
Do lixo o carrinheiro João Carlos de Lima tirou a carne que assou para a
janta e os poucos reais que pagaram a conta de luz do mês. A catadora
Maria de Oliveira, a Lia, bancou estudo aos seis filhos e montou uma
coleção de taças de vidro, na qual ninguém põe a mão. Marli Tereza da
Cruz, também catadora, alicerçou sua primeira casa própria — um barracão
feito de vigas sujas, pregos baratos e lona, montado dentro do extinto
lixão de Paranaguá, no litoral do Paraná.
Os três trabalham hoje com a coleta, a separação e a destinação de
materiais recicláveis e, além das suas próprias vidas, movimentam toda a
cadeia produtiva do lixo no estado, ao lado de outros milhares. Eles
são o elo entre o que jogamos fora e o que é reutilizado por empresas
recicladoras.
Nos municípios paranaenses, há em média um catador para cada 1 mil
habitantes, estima o Ministério Público (MP-PR). Boa parte deles está na
rua, sem condições dignas de trabalho.
"Todos [catadores] são escravos, absolutamente escravos. Puxam um
carrinho como se fossem um animal. São estágios de completo abandono,
trabalhando individualmente, coletando de manhã para ganhar o almoço. As
pessoas não sentem esse problema, não observam o catador. É ele que
movimenta todo o processo do lixo reciclável", diz o procurador
Saint-Clair Honorato Santos, do Núcleo de Meio Ambiente do Ministério
Público do Paraná (MP-PR).
Para dar condições a quem trabalha com o lixo, a melhor maneira tem
sido uni-los em cooperativas organizadas, para que trabalhem em conjunto
com o poder público, afirma o procurador.
"A cooperativa é uma empresa que vai prestar serviço ao município, como
se fosse uma terceirizada. É responsabilidade do município viabilizar
essas cooperativas e associações, melhorando o meio de trabalho e
deixando que os próprios catadores gerenciem o serviço", opina
Saint-Clair.
Geralmente, as cooperativas recebem material de empresas parceiras,
ruas e casas e fazem a separação. O que é reciclável vai para a prensa,
controlada pelos próprios cooperados, e seguem para compradores.
Lia, de 43 anos, trabalha há mais de 30 anos com a separação de lixo. A
maior parte do tempo foi nas ruas, arrastando um carrinho e catando o
que encontrava nas calçadas. Há dois anos, porém, passou a integrar uma
cooperativa organizada, no bairro Boqueirão, em Curitiba, da qual se
tornou presidente.
"Me lembro que vendia o papel a um centavo o quilo. Eu não ia para rua
pelo material reciclável, mas para ganhar uma cesta básica, alguém me
dar uma roupa. Foi o carrinho que matou muitas vezes a minha fome.
Quando vim para um cooperativa organizada, eu deixei de me sintir uma
lixeira. Eu queria que quem tá lá fora sentisse o mesmo que sinto hoje", comenta a catadora.
Quem está lá fora é João Carlos Lima, que trabalha arrastando um
carrinho em busca de material reaproveitável, todos os dias. "É sofrida a
vida do carrinheiro, é sofrida. Sol e chuva, geada... tem que correr,
andar atrás. Se não fizer isso aí, morre de fome", lamenta.
No estado, existem centenas de cooperativas instaladas, mas nem todas
têm as condições adequadas de trabalho. Além disso, muitas delas são
geridas por "atravessadores" — donos de barracões que exploram a mão de
obra dos catadores para ficar com a maior parte da renda do material
reciclável.
"Nós que trabalhamos de carrinheiro? Nós não ganhamos nada. Quem ganha
são os atravessadores, lá em cima. A gente trabalha, eles que ganham
dinheiro. Enquanto eu ganho R$ 20, eles ganham R$ 100", relata João
Carlos.
Para Marli Tereza, que morou por anos dentro do lixão de Paranaguá e lá
criou 15 filhos, o trabalho em uma cooperativa do município foi um
alento. "Hoje eu sou uma mulher maravilhosa, sabe? Por estar trabalhando
na associação, é um grande espaço da minha vida. Tenho maior orgulho do
meu serviço, agradeço a Deus todos os dias por ter isso".
O ideal seria que todos os catadores estivessem realizados como Marli,
mas falta volume de material para que isso se torne viável. Segundo o
procurador do MP, as prefeituras ainda não olham para os cooperados com a
devida importância.
"As cooperativas podem ser contratadas sem licitação, para abreviar o
processo. Falta os municípios contratarem catadores e trabalhar com eles
gerenciando o serviço. Se houver o apoio a essas organizações, o
pagamento por tonelada e inserção social, poderemos chegar um bom
resultado nos próximos anos", diz Saint-Clair.
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