Após 12 dias na região, a inglesa Julie Ward se diz muito preocupada com a garantia dos direitos humanos e com o meio ambiente
Julie Ward tem 60 anos e foi eleita em
2014 como representante do Noroeste da Inglaterra no Parlamento Europeu.
É filiada ao Labour Party, o Partido Trabalhista do Reino Unido, e nos
últimos 12 dias repete mais do que gostaria a palavra “preocupação”.
Julie passou parte do mês de julho hospedada em Marabá, especificamente
no Bairro Francisco Coelho, o Cabelo Seco, junto dos educadores
populares Dan Baron e Manoela Souza, coordenadores do projeto Rios de
Encontro.
De lá, saiu desbravar - dentro do
possível no curto espaço de tempo - a Amazônia da região sudeste do
Pará. Na manhã de hoje, terça-feira (1º), embarcou à Brasília chocada
com muito do que presenciou e determinada a tentar fazer algo a nível
internacional contra o que categorizou como uma intensa violência aos
direitos humanos e às questões ambientais.
Na tarde de ontem, segunda-feira (31),
Julie conversou com a reportagem do Correio de Carajás por
aproximadamente 40 minutos, apresentando as impressões coletadas a
partir de conversas com comunidades indígenas, estudantes, trabalhadores
do campo e daquilo que presenciou com os próprios olhos.
A parlamentar esteve em duas aldeias –
Xikrin, na região de Canaã dos Carajás, e Gavião Parkatêjê, em Bom Jesus
do Tocantins. Se reuniu com estudantes da Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará (Unifesspa), esteve em acampamentos de movimentos pela
reforma agrária e sobrevoou áreas de produção agropecuária e mineração.
“Nas aldeias, encontrei violação de
direitos humanos e uma preocupação imensa em relação à destruição do
meio ambiente que se estende, à poluição aos rios, à destruição da vida,
tudo causado pela mineração. Sobrevoei o Parque Nacional de Carajás, o
S11D (Vale), e agora tenho boa compreensão sobre a industrialização
acelerada que está acontecendo nesta região”.
DIREITOS HUMANOS
Nos debates com alunos do Direito da
Terra e da Faculdade de Educação do Campo e com a comunidade LGBT da
universidade ouviu o posicionamento dos estudantes em relação às
mudanças recentes na Constituição Federal. “Estou escutando relatos,
relatos e relatos sobre um país que está perdendo os direitos humanos, a
Constituição está sendo rasgada, alterada de forma autoritária, sem
consulta popular”, diz. Julie é política atuante na defesa dos direitos
das mulheres e igualdade de gênero, do meio-ambiente e de direitos
humanos.
“Estou extremamente preocupada e tenho
compromisso solidário com outros territórios, em outros países, onde a
mesma violência autoritária está acontecendo. Pretendo levar toda essa
experiência que vivenciei aqui - com os próprios olhos - para garantir
que haja ampla divulgação e provocar um debate sobre direitos humanos
nesta região”.
A parlamentar menciona, ainda, que
vivendo no Cabelo Seco e convivendo com os jovens do Projeto Rios de
Encontro pode sentir a intensa pressão da fome e do desemprego que essa
faixa da população desta região está sofrendo. “Estou conhecendo os
jovens do programa e também vivenciando a tensão que o povo vive hoje em
dia”. Na primeira noite em Marabá, Julie participou de um ato solidário
aos 10 trabalhadores rurais assassinados em Pau D’Arco, em 31 de maio,
em seguida foi a Eldorado do Carajás se reunir com acampados sem-terra.
“Percebi uma região extremamente
violentada, a preocupação enquanto parlamentar é que o mundo saiba
disso. Eu vou informar e sensibilizar e estimular processos políticos
internacionais para no mínimo provocar um debate e tentar encontrar
maneiras de transformar essa violência em direitos humanos”.
Julie destaca não ser política de
carreira e sim uma pessoa que veio da base, criando coletivos de teatro
juvenil e artes comunitárias, mantendo relação profunda com questões
populares e se alinhando com a sociedade civil, organizações não
governamentais e movimentos sociais. Neste contexto, destaca estar
preocupada com a onda política conservadora no mundo, que influencia,
inclusive a educação.
“Estou muito preocupada com a educação
na Europa, mas também aqui, com a retirada de disciplinas em ciências
sociais e artes, o currículo do Ensino Médio, estou ouvindo isso das
pessoas e me preocupa demais. Eu não tenho responsabilidade formal em
atuar no Brasil, mas optei por visitar o Brasil. Tenho uma formação em
desenvolvimento sustentável e democracia e tenho compromisso ético com o
bem-estar das pessoas, tenho uma preocupação imensa com a pobreza e não
quero vê-la aumentando”, comentou.
Julie destaca que o Parlamento Europeu
já tem consciência dos abusos ocorridos em relação ao caso dos indígenas
Kaiowá, no Mato Grosso, que contabilizam diversos homicídios. O
objetivo, agora, é também internacionalizar as questões amazônicas. Em
2010, a parlamentar esteve em Belém e naquele momento já foi
conscientizada acerca das questões agora vivenciadas. No encontro
Rio+20, em 2012, nova chuva de denúncias sobre os riscos ao meio
ambiente.
MEIO AMBIENTE
A deputada diz que as questões
ambientais têm sido menos debatidas atualmente em decorrência da crise
dos refugiados, que modificou a pauta jornalística, mas não houve
melhora no quadro. “Com novo encontro mundial que está previsto para
acontecer no ano que vem terei mais consciência sobre as questões de
meio-ambiente em geral e Amazônia, vim entender melhor”, diz,
acrescentando que outros países são afetados pelo que ocorre no Brasil.
“Represento a região Nordeste da
Inglaterra e essa região, com 7 milhões de pessoas, sofreu tempestade
tropicais no inverno, com enchentes e pessoas perdendo casas, no final
de 2015. Ainda há pessoas sem teto, são refugiados climáticos, e tenho
consciência que há relação entre o desmatamento aqui e as crises
ecológicas, as mudanças ecológicas, do outro lado do mundo. Num país de
tanto sol, por que o Brasil não é líder de energia solar? Não há
necessidade de destruir a Amazônia para garantir uma vida digna e
equilíbrio ecológico mundial”, questiona.
Julie defende que deve haver a
perspectiva global de que aquilo que acontece na Amazônia impacta o
restante do mundo, por isso a preservação deve ser uma pauta
internacional. “É quase uma doença mundial essa obsessão com o
desenvolvimento industrial. O Brasil está tentando produzir cada vez
mais para satisfazer o mercado internacional, mas o que a gente precisa
urgentemente é um pensamento novo de como a gente convive com os bens
comuns, os recursos, diminuindo”.
A política se diz assustada ao sobrevoar
a região e se deparar com a quantidade de áreas desmatadas para pastos e
de focos de queimadas. “Passei por cima de floresta em chamas, vi o
desmatamento, vi o espaço destinado para criação de gado. A questão das
queimadas é muito forte aqui, o cheiro. Estou preocupada com as cinzas
no ar, muitas pessoas com dor de cabeça e problemas respiratórios,
vivenciei isso”.
INDÍGENAS
Além das questões ambientais, ela
destaca ter percebido uma ameaça às culturas indígenas, milenares, e
suas origens, valores e saberes. “Essas culturas estão super ameaçadas”.
Ela diz ter ficado chocada ao visitar o povo Xikrin e ouvir de um
servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai) quão grave é a situação.
“Uma pessoa da Funai, ao se levantar, afirmou que tinha notícias
péssimas e disse que o governo brasileiro quer acabar com os povos
indígenas do Brasil”.
Julie afirma conhecer um pouco sobre o
trabalho da Funai e saber da importância da instituição. “Sei que é uma
instituição do governo, sei que tem uma história complexa, mas há muitas
pessoas lá dentro que são bem comprometidas. Ele (servidor) disse que
trabalhou 24 anos com o povo Xikrin e eu fiquei completamente chocada.
Ele disse que não receberam nenhum recurso este ano. Relaciono isso com
questões de genocídio em nível mundial. É uma preocupação um genocídio
sobre povos indígenas ou sobre a sustentabilidade em nível mundial”.
INTERNACIONALIZAÇÃO
Ao final de agosto, o Parlamento Europeu
reinicia as atividades e Julie pretende realizar uma série de ações de
conscientização na tentativa de identificar parlamentares
responsabilidades políticas entre a Europa e a América Latina, junto de
comitês de livre negócio entre os continentes, de meio-ambiente, de
direitos humanos, de relações internacionais e de desenvolvimento
sustentável. “Acho que esses comitês políticos são os espaços
pertinentes para tocar as questões vivenciadas aqui. Pretendo fazer um
discurso no Parlamento Europeu, na verdade não apenas um, mas muitos”.
Outro ponto da visita foi a troca de
contato com ativistas e políticos brasileiros defensores das mesmas
questões, com quem pretende manter troca de informações constante.
“Estou conversando bastante sobre a fundação de um grupo de amigos
políticos na Amazônia. Vou ainda descobrir se isso já existe. Se
existir, pretendo atualizar, renovar ou mesmo fundar caso não haja, com
participação de políticos brasileiros. Já tenho contato com pessoas que
possuem as mesmas preocupações, encontrei com políticos e fiquei
impressionada com a quantidade de políticos críticos sobre a situação”.
A parlamentar embarcou hoje pela manhã
para Brasília, onde se reúne com embaixada inglesa, assessores
comprometidos com as causas indígenas, ONGs e pessoas que lutam contra a
violação dos direitos humanos. Ao retornar à Europa, ela participa de
um encontro mundial acerca dos direitos infantis, no qual pretende
relatar o que vivenciou no encontro com as crianças e jovens do projeto
Rios de Encontros, que usam a arte, através da dança, percussão e o
teatro como ferramenta de transformação social. (Luciana Marschall)
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