Smartphones nos espionam e ainda pagamos por eles, diz John McAfee, o 'pai' do antivírus
John McAfee criou o primeiro antivírus comercial de sucesso e já se
embrenhou na floresta do Belize, onde se cercou de um mini-exército
particular. Foi pré-candidato na eleição que levou Trump à Casa Branca e
sua vida vai virar história de cinema. Mas tem uma coisa que ele não
faz de jeito algum. “Nunca ligo meu Wi-Fi. Ponto. Nunca. É muito
perigoso”, afirma ao G1.
Para ele, permitir que smartphones acessem a internet por esse tipo de
conexão sem verificar quem é o provedor pode abrir uma porta em um
aparelho já não tão confiável. McAfee, de 71 anos, diz que smartphones
“nos espionam e ainda os carregamos conosco e pagamos para isso”.
Em 2017, ano em que McAfee Associates, empresa que fundou e comandou
até 1994, completa 30 anos, ele pretende solucionar o problema de
segurança de outro setor: o dos smartphones. Quando surgiu, a companhia
foi uma das primeiras a fazer do combate a programas maliciosos para
computador um negócio. Agora, ele não só quer fazer dos celulares
aparelhos mais seguros mas fechar algumas de suas portas abertas para
invasões de privacidade.
Parece uma tarefa difícil, mas, ao lado da inacreditável vida de
McAfee, acreditar nisso fica mais fácil: nascido em uma base militar dos
Estados Unidos na Irlanda, ele se formou em matemática e foi trabalhar
como programador da Nasa. Daí trabalhou na Xerox, Computer Sciences
Corporation, Booz Allen e Lockheed. Depois de deixar a administração da
McAfee, fez parte de conselhos de empresas de cibersegurança e acumulou
uma fortuna. Só que, em 2009, vendeu tudo e foi morar no meio de uma
floresta no Belize, na costa nordeste da América Central.
Ele sequer viu a empresa que criou ser vendida em 2010 para Intel por
US$ 7,7 bilhões. Sem acesso a internet e isolado do resto do mundo, ele
se envolveu com menores de idade, foi acusado de produzir drogas e de
ter armas sem autorização. Em 2012, a aventura chegou ao fim quando
entrou na Guatemala sem autorização e foi deportado para os EUA. A
história deve chegar ao cinema com Johnny Depp no papel de McAfee.
McAfee vem ao Brasil pela primeira vez em maio para participar de uma
conferência sobre cibersegurança. Leia abaixo a entrevista ao G1:
G1
- Há vinte anos você fundou a McAfee em um tempo que os cibercriminosas
atacavam só computadores. Hoje, os alvos são TVs, smartphones e todo
tipo de dispositivo conectado. Se você criasse a McAfee hoje, o que você
faria para responder a esse tipo de ameaça?
John McAfee
- São ameaças às TVs, até a torradeiras e geladeiras. Tudo se tornou
conectado. O problema é que um fabricante de geladeira entende tudo
sobre a geladeira, mas não sabe muito sobre engenharia de software ou
segurança. Eles constroem esses aparelhos usando hardware e software de
prateleira, sem segurança. Os fabricantes desses dispositivos têm
primeiro de entender que não é só uma ameaça aos consumidores mas também
à sociedade. Se um computador pessoal é hackeado, ele não funciona
direito, o que motiva seu dono a consertá-lo. Se uma geladeira for
hackeada, para fazer parte de um ataque de negação por exemplo, ela
ainda vai funcionar e você não vai nem notar.
G1 - Como evitar esse cenário?
John McAfee - É
muito difícil. Os atacantes podem até comprar programas na internet
como o Mirai, um malware que ataca dispositivo muito facilmente já que
não têm defesa. E você não pode colocar nenhum software de defesa nesses
aparelhos, porque eles não foram desenhados para receberem software
desse tipo. E, antes mesmo de instalar um software para aumentar a
segurança, os fabricantes têm de criar um sistema mais aberto. Mas, em
vez disso, criam sistemas em que ninguém pode entrar. Não é possível dar
suporte a todos que fabricam algum dispositivo que se conecta a
internet. É quase impossível. Eu precisaria da cooperação de fabricantes
de torradeiras, termostatos, câmeras, geladeiras etc.
G1
- Falamos com robôs, usamos sistemas alimentados por inteligente
artificial, pilotamos drones. Aparentemente todas essas tecnologias têm
algum brecha de segurança. Então qual é a principal ameaça à
cibersegurança hoje?
John McAfee - São
os smartphones. Eles nos espionam e nós ainda os carregamos conosco e
pagamos para isso (risos). Não importa a segurança das redes e sistemas
corporativos, se você permite que os funcionários conectem os
smartphones deles, quem liga, tão logo eles acessam e-mails e a algo no
banco de dados corporativo, todos os mecanismos de segurança são
contornados. Nós temos que tornar os smartphones mais seguros, senão não
haverá segurança em lugar nenhum.
G1 - Qual é o problema dos smartphones?
John McAfee - O real problema dos smartphones é que não há segurança neles de jeito nenhum.
Quando você desliga um smartphone, isso é apenas um interruptor do software. É uma operação realizada pelo software. Hackers podem interceptar isso, desligar as luzes, fazer a tela ficar preta para dar a impressão de que o celular foi desligado. Mas ele continua ligado, ouvindo você, vendo você. Os fabricantes de smartphones precisam desesperadamente colocar botões de liga e desliga também no hardware, como um interruptor de luz.
Quando você desliga a luz, a corrente elétrica simplesmente é
desconectada. Eles precisam fazer a mesma coisa com o hardware. Esse é o
problema um. O segundo problema é que as pessoas não parecem ligar e
baixam aplicativos sem ler o contrato em que os objetivos do programa
estão escondidos. Quando você faz o download, muitas aplicações pedem
permissão para ler seu e-mail, seus contatos, para acessar seu Wi-Fi,
seu Bluetooth, sua localização, sua câmera ou seu microfone. Muitas nem
precisam disso. Por que você acha que esses aplicativos são gratuitos?
Meu pai e minha mãe me disseram que não há nada grátis na vida.
Esses apps fazem dinheiro espionando a gente e vendendo essa informação
para terceiros. É dessa forma que eles conseguem gastar US$ 1 milhão
para criar um app sofisticado e dá-lo a você de graça. Não estamos
pensando, apenas aceitando que ‘isso não é legal, é só não exagerarmos,
então me deixe ter meu aplicativo sem pagar nada’ (risos). Por favor, o
mundo não funciona assim.
G1 - E o que você faz para tornar o seu celular mais seguro?
John McAfee - Tenha
muito cuidado com que o que os apps pedem. Sou infectado o tempo todo e
até peço a hackers que tentem. Quero ver quais são as técnicas e
tecnologias que usam. Quando há um malware no meu celular, eu o observo
por um tempo e aí eu o removo. A maior parte das pessoas os esquecem. E,
como eu sei que eu sou hackeado, não coloco no meu celular nada que eu
não queira que as pessoas saibam. Faço o contrário: deixo no meu celular
coisas que confundem os hackers. A desinformação é muito mais poderosa
que a informação.
G1
- Você anunciou na semana passada que vai lançar um “smartphone
seguro”. Pretende vendê-lo no Brasil? O que ele terá de diferente?
John McAfee - Venderemos
o smartphone em todo mundo, mas ele não sairá até o fim do ano. Nós
teremos um navegador “anonimizado”. Por exemplo: você busca por camisas
na internet e, ao entrar no Facebook, vai ver que querem te vender
camisas. Isso é irritante, consome seu tempo e invade sua privacidade.
No nosso telefone, quando fizerem uma pesquisa na internet, o Google não
saberá quem é você, apenas que alguém está pesquisando por camisas,
sapatos ou por camisinhas. Isso é um problema para mim, porque não gosto
do mundo sabendo quais são meus interesses. E o Google vende esses
interesses para todo mundo. Isso é uma tremenda invasão da minha
privacidade. Mas nós corrigiremos isso.
G1 - O que as pessoas podem fazer hoje para se tornar mais seguras na internet?
John McAfee - Há
muitas coisas. A primeira delas é prestar atenção quando você baixar um
aplicativo. Se você tiver um app que precisa ter acesso ao seu Wi-Fi,
mas está pedindo acesso ao seu microfone e câmera, você deve pensar para
o que ela precisa disso. Preste atenção: se está pedindo muitas
permissões, eu recomendo que você não a use. A segunda é prestar atenção
quando você liga e desliga seu Wi-Fi.
"A maioria das pessoas deixa o Wi-Fi ligado o tempo todo. Isso é muito perigoso. Se você entrar em um lugar em que tenha um “homem no meio”, podem acessar seu celular por meio do Wi-Fi e interceptarem você. Eu nunca ligo meu Wi-Fi. Ponto. Nunca. É muito perigoso."
A outra coisa é prestar atenção quando seu celular começa a agir
diferente. Se a bateria começar a acabar rápido, se aplicativos começam a
serem executados diferentemente, é um indício de que talvez você tenha
um malware e tem de consertar isso.
G1
- Você tentou se eleger presidente dos Estados Unidos pelo Partido
Libertário. Por que você fez isso? Estava insatisfeito com o modo que
Obama lidava com a questão da cibersegurança?
John McAfee - Eu
concorri para presidente, porque me deram a oportunidade de dizer ao
mundo como inseguro nós estamos em se tratando de cibersegurança. Em
todos os debates que tive, trazia o que eu achava que era o principal
problema, que é a cibersegurança. Você me perguntou como Obama lidou com
a cibergurança. Ele não fez nada. Quer dizer, pelo menos, nada
positivo. Eu acho que a administração dele não entendia os problemas
fundamentais da cibersegurança. É um problema quando políticos tomando
decisões sobre problemas técnicos altamente complexos não tem a menor
chance de estar certos.
G1 - E Trump?
John McAfee - Ele
ainda não fez nada. E eu não tenho certeza do que ele vai fazer. Ele
indicou Rudy Giuliani para lidar com a cibersegurança, o que é uma
loucura. Giuliani é um nada na cibersegurança. É uma necessidade
política, não tenho dúvida, e talvez Trump ainda vá agir no mundo real,
mas, honestamente, até agora não tem sido muito impressionante.
G1 - Muita gente diz que o mundo está vivendo uma "Ciber Guerra Fria". Isso não é exagerado?
John McAfee - Não
mesmo. É um problema muito sério. Eu nem chamaria de fria essa
ciberguerra. Eu acho que é uma ciberguerra bastante quente. Olhe as
ações de hackers que têm acontecido. São horríveis e ainda vão piorar. É
definitivamente uma ciberguerra ocorrendo. E, quando esquentar de fato,
todos teremos em um problema muito sério.
G1 - Quais são as evidências para dizer que a ciberguerra está ficando quente?
John McAfee - Quando
um de nossos maiores países perde toda sua rede eleitoral para sempre,
eu acho que isso é bastante quente. E estamos muito próximos disso.
G1
- Estão fazendo um filme sobre você e há rumores de que Johnny Depp
fará o seu papel. Mas você disse que seria Benedict Cumberbatch. O que é
verdade nessa história?
John McAfee - Essa
parte é verdade: Johnny Depp foi convidado para fazer o filme. A parte
do Cumberbatch era uma piada. Eu ter contatado o diretor John Waters,
que eu acho que seria ótimo, também é uma piada.
G1 - O que acha de Johnny Depp?
John McAfee - Olha, eu não estou exatamente feliz que ele tenha sido escolhi, sabe. É isso.
G1 - Sobre o que será o filme? Sobre o visionário da cibersegurança ou sobre o homem que largou tudo e foi viver na floresta?
John McAfee - Sobre
o homem que viveu anos na floresta. Eu acho que não vai ter muito sobre
o cibervisionário. Eu não sei muito. Não estou cooperando com eles.
G1 - O que acha disso?
John McAfee - É
o seguinte: não importa. Aqui nos Estados Unidos, temos um ditado: não
existe esse negócio de publicidade ruim. E eu acho que é verdade. Para
mim, não importa o que vão dizer ou como vão me retratar. Não vai fazer a
menor diferença no longo prazo. As pessoas lembram do nome e esquecem
dos detalhes. Essa é a natureza do ser humano.
G1 - Você foi acusado de matar um homem em Belize. A situação já foi resolvida?
John McAfee - Eu
fui acusado pela imprensa, mas não fui acusado por nenhuma autoridade,
pela polícia dos Estados Unidos ou de lugar nenhum. Isso é uma notícia
falsa inventada, e eu não poderia ligar menos para as acusações na
imprensa.
E os teclados que capitam tudo que você escreve
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